sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

Que futuro para Deus? por ANSELMO BORGES, Diário de Notícias, 2013-01-12



Que futuro para Deus?
por ANSELMO BORGES, Diário de Notícias, 2013-01-12

É sobre o tema em epígrafe que Marie Drucker publicou uma entrevista com Frédéric Lenoir, da École des Hautes Études en Sciences Sociales, Paris. Faz parte do livro Dieu (Deus).

Alguns indicadores estatísticos. Actualmente, dois terços da população mundial confessam acreditar em Deus. O outro terço reparte-se entre as religiões sem Deus (religiões chinesas, budismo, animismo, xamanismo...) e uma pequena parte que se declara sem pertença religiosa (menos de 10% da população mundial, principalmente na China e nos países europeus descristianizados). 

Mesmo se a fé está a diminuir progressivamente desde há várias décadas, cerca de 90% dos americanos e dois terços dos europeus acreditam em Deus. A França e a República Checa constituem excepção, pois são os países que contam hoje com a taxa mais elevada de ateus na Europa. De qualquer modo, mesmo na França, a fé em Deus resiste melhor do que a pertença religiosa e permanece estável: 52%. 

As projecções para 2050 dizem que os cristãos passarão de dois mil milhões para três mil milhões; os muçulmanos, de mil e duzentos milhões para dois mil e duzentos milhões; os hindus, de oitocentos milhões para mil e duzentos milhões; os budistas, de trezentos e cinquenta milhões para quatrocentos e trinta milhões; os judeus, de catorze milhões para dezassete milhões. 

Estes números não consideram, evidentemente, "evoluções internas profundas" que as mentalidades podem vir a conhecer nem catástrofes ou agitações excepcionais. Segundo a evolução das mentalidades, é a Europa que indica a tendência: "uma secularização crescente, sem que a fé em Deus se afunde. 

Assim, as religiões terão cada vez menos domínio sobre as sociedades e serão cada vez mais numerosos os indivíduos a declarar-se sem religião, sem que isso signifique o fim da fé em Deus." Acentua-se, portanto, aquele movimento que os sociólogos caracterizam como "crer sem pertencer", emancipação progressiva dos indivíduos em relação às instituições religiosas, mas continuando a ter fé em Deus ou uma espiritualidade pessoal.

terça-feira, 8 de janeiro de 2013

Os Censos, reflexo da liberdade religiosa - Artigo de opinião de Esther Mucznik - 07/01/013 - no "Público"


Costuma-se dizer que a sociologia é a confirmação do óbvio. O mesmo se pode dizer dos Censos e em particular do Censo de 2011 divulgado no final do ano. Mas tal como a sociologia, os Censos são necessários porque nos dão uma visão mais rigorosa da realidade e, sobretudo, da sua evolução – mesmo admitindo a margem de erro que inevitavelmente contêm e as diferentes interpretações a que os números sempre se prestam.

Um dos elementos que eu gostaria de comentar surge no final do Censo 2011. Trata-se das respostas, facultativas, sobre a pertença religiosa. Num total de quase nove milhões de pessoas acima dos 15 anos, 7.281.887 milhões afirmam-se católicas, 347.756 de outras religiões e 615.332 sem religião.

Relativamente a 2001, há algumas mudanças significativas, a maior das quais é o aumento quase para o dobro das pessoas que se afirmam “sem religião” – em 2001 eram 342.987. Há também, relativamente a 2001, um aumento de 82.508 pessoas de “outras religiões”. A religião católica é única que perde, embora de forma muito pouco significativa: 72.661 a menos em comparação com 2001. Sem surpresas, as religiões que mais cresceram em Portugal são as cristãs não-católicas – de 188.489 em 2001 para 295.459 em 2011. Com totais muito mais reduzidos, aumentaram significativamente os muçulmanos e o grupo designado por “não-cristãos”, entre os quais estarão os hindus, budistas, bahai e outros. Quanto aos judeus, apesar de um aumento nas respostas quase para o dobro, mantém-se como uma das religiões de menor dimensão numérica em Portugal.

Como interpretar estes números? Em primeiro lugar, cresce a indiferença religiosa. O número dos que se afirmam “sem religião” é o que mais aumentou, confirmando uma tendência que se afirma desde 1960 à semelhança da Europa, apesar das diferenças entre os países ex-comunistas e a Europa Ocidental e do Norte. Mas erramos se pensarmos que a indiferença religiosa é apenas aquela que se afirma como tal. Vivemos numa zona do globo de cultura religiosa predominantemente cristã, mas onde a separação entre cultura religiosa e prática religiosa é cada vez maior. Muitos dos que se afirmam católicos podem até ser baptizados e ligados às suas tradições, mas estas são vividas de forma cada vez mais secular.

Este fenómeno que, embora de forma diferente, também se verifica no judaísmo, não tem paralelo na religião muçulmana e evangélica: são religiões mais totalizantes no primeiro caso, e militantes no segundo. Tal como a judaica, a religião evangélica é pouco hierarquizada e muito descentralizada, o que facilita o sentimento de relação pessoal e colectiva com o divino. Mas, contrariamente ao judaísmo, é uma religião prosélita e carismática, em que o papel do pastor ou do líder religioso é fundamental. Na religião muçulmana, atrevo-me a dizer que há pouca separação entre cultura e religião: um muçulmano é, acima de tudo, um praticante da sua religião. Talvez estes factores contribuam para o crescimento destas duas confissões, enquanto a hierarquização rígida e estratificada das religiões demasiado institucionalizadas afasta os crentes.

A imigração é outro factor a ter em conta quando cruzamos religião e imigração: o número de muçulmanos cresceu muito com a vinda de imigrantes de Moçambique e da Guiné, e o dos hindus com os imigrantes da Índia. Da mesma forma, o crescimento dos cristãos ortodoxos também se deve, em grande parte, à imigração ucraniana, assim como os brasileiros – perto de 110 mil de respostas registadas – vieram reforçar os evangélicos. 
Nada disto se passa com o judaísmo. Os judeus não são imigrantes. Foram-no de forma limitada no século XIX e início do século XX, quando, depois de três séculos de banimento, aqui se puderam voltar a instalar.

Foram novamente imigrantes e sobretudo refugiados do anti-semitismo e do nazismo durante a primeira metade do século XX. Mas o judaísmo não é uma religião prosélita e, para além de uns poucos que vieram instalar-se no Portugal da União Europeia, a realidade judaica actual é composta pelos descendentes desses imigrantes e refugiados, por um lado, e por outro do remanescente das comunidades cripto-judaicas que hoje voltam a assumir a sua identidade antiga. Apesar de parte integrante da identidade portuguesa desde a constituição da nacionalidade, é hoje uma realidade diminuta devido essencialmente às vicissitudes da história e à sua própria maneira de estar no mundo: mais do que um refúgio, o judaísmo é uma responsabilidade e um compromisso – nem sempre muito fáceis, diga-se de passagem...

A democracia, acompanhada pela liberdade de consciência, mudou Portugal. As pessoas assumem sem medo a sua identidade religiosa diversa e os Censos são o reflexo disso mesmo. Mas a história ensina-nos que nada é irreversível e a liberdade religiosa, mais ainda do que qualquer outra, nunca é definitiva. Sobretudo em tempos de crise…

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